Rebaixamento do Lyon: todos querem o futebol global, mas a realidade é local e não dá para fugir disso
E eis que a DNCG, órgão controlar das finanças dos clubes de futebol franceses rebaixou o Lyon para a Ligue 2 por falta de capacidade financeiro e dívidas incompatíveis com a operação. É uma história que começou há muito tempo, e que ganhou ares de drama no final do ano passado.
Não, não vou recontar a história. O objetivo aqui será entender o que foi avaliado, os motivos do rebaixamento, as decisões da Eagle Holdings, e o que isso traz de lição para o futebol. Porque todo caso de insucesso não é apenas um revés, mas deve servir de referência para evitar os erros no futuro.
Encurtando a história, em novembro de 2024 a DNCG fez uma avaliação parcial dos números dos clubes franceses e apontou que o Lyon possuía dívida acima da capacidade de pagamento e desempenho operacional insustentável, e rebaixou preventivamente o clube à Ligue 2. Isto permitiria que fossem tomadas ações para remediação dos problemas. Quais seriam? Aporte de capital, venda de ativos e corte de custos são as mais óbvias.
Desde a chegada de John Textor ao Lyon ele vem desmantelando a estrutura do clube, com a venda do estádio e das equipes de futebol feminino francesa e americana. E vendeu vários jogadores. Mas também contratou vários. Mas isso foi ainda antes de novembro de 2024, pico do drama até então. A partir daí vendeu mais atletas, falou em programa de capitalização, IPO da Eagle, venda do Crystal Palace e um monte de outras coisas, mas nunca tratou do maior de seus problemas: a forma como vê as estruturas de clubes de futebol num modelo de Multiclub Ownership (MCO).
Futebol é um esporte onde os clubes e ligas buscam visibilidade cada vez mais global, mas é disputado dentro dos limites de um país. Todos querem disputar a Champions League e a Libertadores, mas as competições mais longas e que mobilizam mais atenção, pessoas e rivalidades são os campeonatos locais.
Os brasileiros estão alucinados com a Copa do Mundo de Clubes, e há muito questionamento sobre a suposta falta de interesse dos europeus, mas a realidade é essa mesmo: o europeu conhece a acompanha seu campeonato nacional, praticamente ignora os outros – mesmos os dos vizinhos – e se atenta aos clubes que disputam as competições continentais, aqueles 4 ou 5 de cada país. Não porque gosta, mas porque precisa conhecer os adversários.
Portanto, dar pouca atenção a um campeonato mundial não é desdém contra brasileiros, argentinos e marroquinos. Mas analisar de maneira fria uma competição nova, que ninguém sabe se existirá daqui a 4 anos – lembrem-se do mundial brasileiro, que a Fifa igualou a todos os demais mundiais, pré e pós a competição – e que ainda tem partidas disputadas em horários ruins, na madrugada. Talvez chame atenção nas fases finais. O que não impede a imprensa de explorar as vitórias de Flamengo e Botafogo sobre Chelsea e PSG, ou a boa partida disputada pelo Fluminense contra o Dortmund.
O que isso tem a ver com Lyon e Textor? Tudo. Assim como o torcedor se importa basicamente com seu campeonato, os órgãos de controle financeiro também. Afinal, o Lyon disputa contra outros times franceses, não contra brasileiros ou belgas. E o sistema que precisa ser preservado é o francês.
Na visão de Textor, um MCO deveria ter o caixa centralizado e fazer transações de atletas pra cá e pra lá conforme o interesse esportivo e financeiro. Não é assim, e isso acabe gerando desconfiança sobre um modelo de negócios que pode ser eficiente, como um MCO.
Nesses processos há sempre a lenda que o dono é um bilionário com bolso sem fundo, mas a realidade é bem diferente. No caso da Eagle há uma teia complexa de holdings e subholdings, em diversos países, com sócios e financiadores diferentes, que ficam com ativos em garantia, mas geram pressões de pagamentos, que vão além das pressões normais que cada clube tem para manter suas contas em dia (quando são controlados).
Na análise que a DNCG fez do Lyon o órgão desconsiderou alguns movimentos indicados pelo clube, como a negociação de Luiz Henrique, por exemplo, que saiu do Botafogo e não do Lyon, mas que na estrutura “única” da Eagle deveria ser considerado. Outros itens foram desconsiderados, e restou vender o Crystal Palace às pressas. No programa de reforço financeiro da Eagle, que previa a entrada de US$ 1,1 bilhão, foi estimado que a venda do Palace geraria US$ 400 milhões. Como quem tem pressa vende por menos, acabou vendendo por US$ 200 milhões. Mas não dá para usar o dinheiro agora, porque precisa de aprovação da Premier League, e porque as ações estão dadas em garantia para uma dívida, conforme divulgado na imprensa francesa. E não resolvem tudo.
Aliás, a Eagle trabalhava para fazer um IPO, mas com a venda do Palace e o rebaixamento do Lyon isso pode estar em risco.
O Lyon pode e certamente recorrerá da decisão. Já anunciou que discorda da decisão da DNCG. Mas enquanto mos argumentos da empresa seguirem na linha do “caixa único” e da confusão estrutural, as decisões seguirão as mesmas. Já se fala na venda do Lyon, o que deixaria Textor apenas com o Botafogo e o Molembeek, e com pouco apelo para levantar mais capital e seguir seu projeto. Afinal, ele pode ser bilionário, mas não coloca tanto dinheiro assim em risco.
O efeito para o Botafogo? Não tenho a menor ideia, uma vez que o clube não divulgou dados de 2024. Nenhuma dúvida que o ativo hoje vale mais que na época em que foi comprado, e isso é mérito da gestão da Eagle, que desenvolveu estruturalmente o clube. Com mais transparência e menos confusão societária é possível que tenha seu futuro preservado. Exceto se, no lugar de uma caixa-forte, o clube seja uma caixa de pandora.